domingo, 21 de março de 2010

Publicidade (ir)responsável

Alguns dias atrás, na busca de notícias sobre a área de publicidade, minha área de formação, encontrei o lançamento de uma campanha de lingerie. Fiquei extremamente assustado com as mensagens e valores embutidos no anúncio e a falta de responsabilidade social dos criadores. Por isso o título deste artigo: mostrar que os publicitários, ao criarem a mensagem, podem ou não agir de forma socialmente responsável. Meu propósito não de maneira alguma difamar a profissão, já que minha formação é publicidade e propaganda.

Tenho grande convicção de que a mídia tem papel educador. Não que sua finalidade deva obrigatoriamente ser esta mas ela o é intrinsecamente. E, quando a comunicação é feita por veículos de massa, a responsabilidade da agência e anunciantes é ainda maior.

Ao assistir um comercial ou folhar uma revista, estamos expostos às mensagens publicitárias, porém não estamos preparados para acionar um mecanismo crítico que nos permita avaliar a mensagem profundamente. Michelle Rossi diz que "neste processo, as pessoas assimilam conteúdos que não estão explícitos na mídia, mas que foram colocados intencionalmente, de maneira subjetiva". A psicóloga Déborah Passarelli Barros de Souza ilustra esta ideia ao dizer que “você pode estar assistindo a um filme e nem se dar conta de que por trás daquele conteúdo existe uma mensagem que, na maioria das vezes, faz menção ao sexo e ao consumismo. Esta transmissão de informações não chega até o consciente, mas vai direto ao nosso inconsciente e reflete-se em comportamentos no cotidiano, que nós mesmos nem percebemos”,

Angélica Romero de Camargo em seu trabalho como educadora social de crianças e adolescentes da periferia de São Paulo notou que o receptor dessas mensagens "absorve com muita facilidade aquilo que lhe é apresentado e, na maioria das vezes, não questiona o conteúdo e, tampouco, a veracidade dessa informação."

Por este e por ter a comunicação grande força persuasiva penso que o publicitário no exercício de sua profissão e os anunciantes ao aprovarem uma campanha devem ser extremamente cautelosos e éticos. Toda mensagem vem munida de valores e conceitos subjetivos que nos conduzem o pensamento ou nos induzem à determinadas conclusões. Desmunidos de defesa crítica, estamos vulneráveis a qualquer linha de raciocínio que nos chegam via veículos de comunicação de todos os lugares, formatos, frequência e durante períodos eficazes para que surtam efeito em nossa mente.

A mídia, segundo o projeto defensor dos direitos humanos DHNET a mídia "é um espaço de força, poder e sociabilidade capaz de atuar na formação da opinião pública em relação a valores, crenças e atitudes [...] Na sociedade do conhecimento e da comunicação de massas em que vivemos, a mídia tornou-se instrumento indispensável do processo educativo."

Anúncio da lingerie. Clique na imagem para ampliar

Como publicitário e profissional da educação algumas análises próprias me permitem emitir opiniões, que imagino válidas, sobre o anúncio acima.

Segundo o site m&m online a companhia pretende "defender a postura da mulher de pensar em trocar de marido ou namorado quando ela se sentir abandonada ou rejeitada por ele". Por aí vemos que foi intencional mostrar a futilidade de seu próprio público (as mulheres) numa relação conjugal. Por consequência desrespeita também os homens, mostrando sua incapacidade de manter uma relação. Pelo que vemos na campanha a conversa entre os casais não resolve. O jeito seria mesmo partir para a infidelidade, um caminho bastante fútil de agir. Há tempos eu não via uma marca agredir desta maneira seu próprio consumidor.

Ao lado desta mulher promíscua está o nome de Jesus. Basta uma rápida busca no google para encontrar publicações da comunidade cristã ressentidas com a mensagem. Não me pareceu muito esperto da parte da companhia desprezar a opinião e ofender um público de quase 90% dos brasileiros (segundo o senso 2000).

Por fim, a campanha mostra que o produto não cumpre o papel que o anunciante pretendia, pois nem o próprio marido se sente atraído pela mulher que usa a lingerie, mesmo tendo a mulher uma beleza de "capa de revista". Parece que a lingerie causa repulsa nos homens e a mulher precisa "correr atrás" de um outro alguém que a aceite.

Os criadores da campanha e anunciante que me desculpem mas, no meu ponto de vista, faltou muita capacidade, competência, ética e responsabilidade social. Agredir numa mesma peça várias instituições não é para qualquer um!

Não quero dizer que uma campanha não possa utilizar um tema sensual ou algo do gênero, mas que se deve fazer isso com inteligência. Pois sabemos que hoje em dia a mídia atinge a todos sem distinção de idade, sexo, religião ou gênero. Respeitar os valores deveria ser um dever de todos, principalmente daqueles que possuem ferramentas como as da comunicação em massa nas mãos.

A motivação deste artigo não veio apenas desta campanha (que considero uma das piores atualmente neste sentido), mas porque, como bem observa Clemente Ivo Juliato (2009), "na publicidade, por exemplo, aparecem não raro discursos falaciosos que nos desencaminham e que são tão poderosos que acabam nos convencendo".

Leia mais sobre a relação entre mídia e educação:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/pdf/pol/midia_educacao.pdf
http://www.revistaconecta.com/conectados/rachel_midia_educacao.htm

Fontes:
http://www.fundacaobarbosarodrigues.org.br/upload/622109618.pdf
http://www2.metodista.br/unesco/agora/mapa_animadores_ativistas_angelica.pdf
http://www.dhnet.org.br/dados/pp/edh/br/pnedh1/edu_midia_pnedh.pdf
JULIATTO, Clemente Ivo. O horizonte da educação: sabedoria, espiritualidade e sentido da vida. Curitiba: Champagnat, 2009. 271 p.